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Economista de formação, Tereza Campello é ministra de Desenvolvimento Social desde 2010 |
Por Yuri Silva
Uma semana após a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agrocultura (FAO) anunciar que o Brasil saiu pela primeira vez do
Mapa da Fome, a ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza
Campello, falou com exclusividade ao repórter Yuri Silva sobre causas e efeitos
do aumento de renda e listou desafios do país na área social.
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Qual foi a importância para o Estado
brasileiro dessa mudança de patamar, na qual o país deixa de figurar no Mapa da
Fome da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)?
Para o país todo, não só para o Estado brasileiro, mas para o
povo brasileiro, é um motivo de comemoração. A fome é um fenômeno que assola o
país há séculos. A FAO faz esse acompanhamento dos indicadores dos países que
tem fome há mais de 50 anos. E é a primeira vez que o Brasil sai do Mapa da
Fome. Hoje a gente pode dizer, segundo os dados da FAO, que no Brasil tem 1,7%
da população subalimentada. Ou seja, nem dá para dizer que a gente tem essa
população com fome, porque subalimentação não é passar fome naquele sentido
clássico. A pessoa está se alimentando – de peixe e farinha, por exemplo –, mas
falta fruta, falta vitamina C, falta diversificar a alimentação. Nos últimos 10
anos, a gente reduziu em 82% o número de pessoas que estavam subalimentadas.
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Segundo o relatório da FAO, o Brasil possui
1,7% da população em situação de insegurança alimentar. Em 1990 esse número
atingiu 14,9%. O governo tem expectativa de redução ainda maior desse número
para os próximos anos? Qual é essa expectativa?
Certamente. Tem uma coisa que eu acho importante dizer, em
especial do Nordeste, em que a fome é um problema muito mais presente no campo
e na cidade. Eu morei no Nordeste durante toda minha infância e posso falar
também como filha de nordestino. Nós, o Brasil, sempre produziu comida
suficiente para alimentar o povo brasileiro, ao contrário de alguns lugares do
mundo, em que o solo é muito ruim, o clima é muito ruim e não tem tecnologia. O
Brasil sempre foi um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Sempre teve
um solo excepcional, sempre teve terra aráveis suficientes para produzir
alimentação para todo o seu povo, sempre teve um clima excepcional e sempre
teve tecnologia de ponta, das melhores tecnologias do mundo em agricultura,
como é aquilo que produzimos na Embrapa. Mesmo com tudo isso, o povo passava
fome. Ou seja, não era um problema de quantidade de alimentos produzidos. O
problema era de acesso do povo pobre aos alimentos. A grande conquista do
Brasil é ter garantido que a população tivesse acesso aos alimentos. Ter acesso
aos alimentos significa ter renda para poder comprar essa comida que estava
disponível. A própria FAO, no seu relatório mundial, coloca o Brasil não só fora
do Mapa da Fome, mas como destaque. Eles fizeram um capítulo específico para
falar como o Brasil alcançou essa vitória, usando o exemplo para que outros
países pudessem obter esse mesmo resultado.
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Há alguma projeção de quando será possível
zerar esse número?
Hoje, nós temos população em situação de subalimentação em
comunidades muito isoladas. Três delas, em especial, são as comunidades
indígenas, quilombolas e a população de rua. Não existe mais aquela situação de
população do campo, agricultores familiares, passando fome. Mesmo o Nordeste
tendo passando por esse período terrível de seca agora, o povo não passou fome,
porque tinha Bolsa Família e Bolsa Estiagem. Agora, nós estamos indo atrás
dessas comunidades, com políticas específicas. No caso dos quilombolas, por
exemplo, essas comunidades estão em territórios isolados, onde foram para fugir
da escravidão. Nesses locais, mesmo existindo renda, eles não conseguem comprar
comida necessária para ter essa alimentação diversificada. Nós contratamos
assistência técnica voltada para essas comunidades, para que eles não percam
sua cultura, seus hábitos alimentares, mas passem a ter acesso a essas
tecnologias. São sementes melhoradas geneticamente, técnicas para plantar e ter
maior produção, técnicas para melhorar o solo. Várias dessas ações estão em
andamento. Nós pretendemos continuar reduzindo esse número. Acho que nenhum
país pode ficar satisfeito, mesmo com percentuais tão baixos, tendo ainda uma
parcela da sua população passando fome.
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São vários os indicadores que levam à
conclusão da FAO no relatório. Quais foram os principais?
No relatório, a FAO cita o aumento do salário mínimo, a
geração de empregos formais (com carteira assinada) e programas como Bolsa
Família, que levaram renda para a população, que agora pode comprar alimentos.
Tem uma quarta questão importante citada, que é a merenda escolar. Nós temos 43
milhões de crianças e jovens no Brasil que são alimentadas na escola. Isso
melhora muito a situação de desnutrição da criança e faz com, na família, haja
uma pessoa a menos comendo em casa. Ou seja, sobra um pouco mais de comida para
outra refeição – à noite, por exemplo. Na Bahia, são 2,4 milhões de crianças
que têm refeição na escola todos os dias. O primeiro dos indicadores é termos
melhorado a quantidade de calorias por dia disponível para a população.
Aumentou muito a alimentação disponível, em 10%, porque passamos a incentivar
muito a agricultura familiar, aquela que mais produz alimento para o povo. Em
segundo, aumentou a renda. O salário mínimo cresceu 71%, criamos 22 milhões de
empregos formais e ampliamos o Bolsa família.
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O governo atribui muito desses resultados
positivos aos programas sociais de transferência de renda, como o Bolsa
Família. Qual a avaliação que se tem dentro do governo no que se refere ao
horizonte desses programas? Eles devem durar quanto tempo até que não sejam
mais necessários?
A FAO cita cinco outras questões além do Bolsa Família. O
salário mínimo, para mim, é a maior e mais importante das medidas para aumentar
a renda da população. Se eu fosse citar uma só, eu citaria o salário mínimo.
Mas tivemos um conjunto de outras medidas, que garantiram que aumentássemos o
padrão alimentar. É o caso da distribuição de Vitamina A para nossas crianças.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a distribuição da Vitamina A tem
um impacto gigantesco na redução da mortalidade infantil. A fome é um fenômeno
complexo e não é combatida com uma única política. A primeira grande questão é
essa, para a gente não ficar aumentando mais ainda o preconceito contra os
pobres. A população pobre no Brasil trabalha. Um das nossas grandes lutas não
foi acabar com a pobreza, mas acabar com o preconceito contra a pobreza, que é
muito grande. Não podemos ficar repetindo essas coisas que se diz no sudeste,
de que a população nordestina é pobre porque não trabalha. Mesmo quem recebe o
Bolsa Família trabalha, trabalha muito. Metade da população do Bolsa Família
não trabalha, porque são crianças. Essa também é uma virtude do Brasil, ter
tirado as crianças do trabalho infantil. Junto com a fome, o trabalho infantil
era uma chaga, principalmente na Bahia. Era o estado que tinha mais trabalho
infantil no Brasil. A redução desse tipo de trabalho é um orgulho. O Bolsa
Família complementa a renda das pessoas. Precisamos combater esse preconceito.
No mundo todo, existem programas de transferência de renda. Nos Estados Unidos,
na Holanda, na Finlândia, na França. Em todos os países desenvolvidos do mundo,
países ricos, existem esses programas, no sentido de melhorar a renda de
famílias por situações diversas. Essa ideia de que a pessoa vai começar a
trabalhar e não vai precisar mais do Bolsa Família é uma ideia preconceituosa.
Há países desenvolvidos que hoje têm metade da população desempregada. Se pegar
a Espanha, que passou por uma crise violentíssima e tem metade dos seus jovens
em situação de desemprego, não tem nada a ver com preguiça, com desalento, nem
com nada desse preconceito. Certamente se o Estado [espanhol] tivesse a mesma
preocupação que o Brasil está tendo, teria menos sofrimento para essa
população. Nós não achamos que nossa meta é acabar com o Bolsa Família. Nós
queremos é melhorar o Brasil, melhorar o poder dessas pessoas. E uma das coisas
que estamos fazendo, em conjunto com o governo da Bahia, é o Pronatec. Nós
estamos levando qualificação profissional para o povo. A Bahia é um dos
campeões em cursos de qualificação para a população de baixa renda. O povo que
trabalha, de sol a sol, e vai de noite vai para a escola, porque quer melhorar
de vida. Nós não temos que estar preocupados em acabar com o Bolsa Família, mas
em acabar com a pobreza, com o sofrimento do povo. Antes, tinha muita gente
preocupada em acabar com o Bolsa Família. Agora, parece até que tem menos.
Agora todo mundo fala bem do Bolsa Família. Que bom!
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Atualmente, qual o tempo médio que o
beneficiário do Bolsa Família leva para não necessitar mais da ajuda do Estado?
Esse número não temos, porque é muito variado. Não tem como
ter um tempo médio em 10 anos. O Bolsa Família faz 11 anos no próximo mês. Tem
gente que está desde o começo, mas é muito pouca gente, e teve gente que entrou
e saiu. Mas tem um estudo hoje, que está sendo usado no mundo todo, que mostra
que o risco de desnutrição diminui quanto mais tempo a família fica no Bolsa Família.
Na maior parte dos programas do mundo, como no México, as famílias ficavam dois
anos no programa e depois era desligada. Foi um fracasso total. O modelo do
Brasil foi um sucesso. Nós queremos o que para nossa juventude? É essa a
pergunta que o Brasil precisa fazer hoje. Eu estava lendo o conto famoso do
Monteiro Lobato, do Jeca Tatu, que ficava o dia todo parado, sem fazer nada. As
pessoas chamavam ele de preguiçoso e pinguço. Até descobrirem que ele tinha
amarelão, uma verminose gravíssima, que fizesse com que ele e a família não
conseguissem trabalhar. Precisamos olhar e ver se queremos tirar a pessoa do
Bolsa Família, que é o programa mais barato que o governo tem. Hoje, no mundo
todo, se diz que o Bolsa Família é o melhor investimento que o Brasil pode
fazer, porque consome 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) e, a cada R$ 1 que
investimos, retorna R$ 1,78 para a economia. Essa família gasta em comida, em
coisas que são produtivas para o Brasil. Não é igual o povo que vai gastar em
Miami. É riqueza para o nosso país. Gastar com o Bolsa Família não é ruim para
o pobre nem é ruim para o rico.
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Não é só o Bolsa Família o responsável pelos
resultados. A FAO cinta a merenda escolar, a elevação da renda dos brasileiros,
o aumento da oferta de alimentos. Como é que o governo tem trabalhado nesses
setores para influenciar na questão alimentar?
Tem várias questões que já vêm avançando. O Ministério da
Saúde, por exemplo, tem um pacto já feito com a indústria de alimentos no Brasil,
para reduzir a quantidade de sódio e gordura nos alimentos. Hoje, o principal
problema que o Brasil enfrenta do ponto de vista da segurança alimentar é a
obesidade. Deixamos de ser um país de fome e passamos a ser um país que tende a
ser um país de obesos. Nossa grande batalha agora, do ponto de vista de saúde
pública, é essa. O governo federal estabeleceu cota para que o dinheiro da
merenda escolar seja usado para comprar da agricultura familiar produtos
frescos, como vegetais e frutas, para garantir uma alimentação saudável. Já estamos
distribuindo Vitamina A e sulfato ferroso para as crianças. A partir da semana
que vem, o ministro da Saúde [Arthur Chioro] anuncia uma nova ação envolvendo
nutrientes nas escolas. Mas não posso furar o anúncio do nosso ministro. O
grande desafio é esse novo patamar de mais qualidade – e não quantidade de
comida.
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Em que outros setores essa redução da fome
tem influenciado diretamente?
A gente sabe que uma criança submetida à fome, tanto no
ventre da mãe quanto até os cinco anos de idade, entra em uma situação
irreversível. Um adulto, por exemplo, se ele come mal por um período de sua
vida, ele sofre, ele emagrece. Mas ele não perde sua capacidade intelectual. Ao
contrário de uma criança. Quando uma criança passa fome até os cinco anos de idade,
isso é irreversível para o seu desenvolvimento futuro. Essa é uma questão mais
estratégica. Estamos garantindo o futuro do Brasil. Esse futuro adulto, se ele
não passou fome, se ele teve acesso a estímulos, se ele teve acesso à vacinação
correta, ele vai ser um adulto não só muito mais produtivo, mas também melhor
fisicamente. A grande vitória do Brasil é estar construindo adultos mais
saudáveis.
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Há estudos e análises quanto à mudança de
estatura dos brasileiros durante esse processo de melhora da oferta de
alimentos?
Observamos que nossas crianças estão mais altas. A fome faz
com que crianças fiquem mais magras. De 2008 para 2012, as crianças cresceram 1
centímetro, em média. Crianças de cinco anos há um tempo mediam uma altura.
Crianças de cinco anos hoje medem mais. Por que? Porque comeram, se
alimentaram. A merenda escolar tem sido importante.
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O Nordeste é o principal beneficiado quando o
assunto é redução da fome. Como está o panorama aqui na região atualmente?
Continua sendo a mais carente, ao lado do Norte? Como estão distribuídos esses
focos de fome no mapa do país?
A fome hoje está restrita a grupos indígenas, quilombolas,
população de rua. Não existe mais aquela população gigantesca em situação de
subalimentação no Nordeste. Isso está muito mais equilibrado. Como a população
indígena, quilombola e de rua é dispersa, essa desigualdade, com a fome se
concentrando no Nordeste, está muito mais equilibrada hoje. Estamos fazendo uma
busca ativa grande. São grupos pequenos, localizados, restritos, específicos e
até mais difíceis de trabalhar. Não é com Bolsa Família que vamos melhorar, por
exemplo, a situação dos indígenas.
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Quais os próximos desafios do governo nesse
processo histórico de redução da fome? O que a senhora destaca de mais
desafiador e importante para o governo federal no próximo ano, caso a gestão
atual prossiga?
Eu acho que o desafio está colocado para o Brasil. Se as
políticas que a gente está executando não tiverem continuidade, a fome volta. A
fome não é igual doença que foi dizimada. Se a população deixar de ter renda,
se o país deixar de fortalecer a agricultura familiar, se o salário mínimo
parar de crescer, se a gente reduzir os gastos em políticas sociais, a chance
de voltarmos a ter fome é muito grande.
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